Levítico 17:11
“Porque a alma da carne está no sangue; pelo que vo-lo tenho dado sobre o altar para fazer expiação pelas vossas almas, porquanto é o sangue que faz expiação pela alma.”
Questão
Algumas versões traduzem por ‘alma da carne’ outras traduzem por ‘vida da carne’. Se primeira versão está correcta, como é que a alma está no sangue? E por que razão é proibido comer o sangue?
Contexto bíblico
O vocábulo hebraico wpn ‘nefesh’, traduzido por alma, equivalente ao grego yuch ‘psiche’ pode significar, de acordo com o contexto, alma, vida, espírito, fôlego, eu mesmo, pessoa, ser vivo. Comecemos o nosso estudo na maneira de Deus criar o primeiro homem. “E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança… Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.” (Gn 1:26,27). “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra e soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida; e o homem tornou-se alma vivente.” (Gn 2:7). Primeiro Deus moldou o pó, depois juntou-lhe o ar da respiração, então tornou-se ‘alma’ e começou como ser vivo.
Quando Abrão estava no Egipto foi tentado a dizer que sua mulher, Sara, era sua irmã, para salvar a sua vida da morte, e pediu que ela dissesse o mesmo perante Faraó: “Dize, peço-te, que és minha irmã, para que me vá bem por tua causa e que viva a minha alma em atenção a ti.” (cf. Gn 12:10–17). Era costume o rei mandar matar o marido quando queria tomar para si a sua mulher bonita. Ora, visto que Abrão queria salvar a sua vida da morte, disse ‘para que a minha alma viva’.
Outro exemplo temo-lo na narrativa do amor de Siquém por Diná, filha de Jacó: “Assim se apegou a sua alma a Diná, filha de Jacó, e, amando a donzela, falou-lhe afectuosamente.” (Gn 34:3). A alma de Siquém ficou enamorada por Diná, isto é, todo ele ficou encantado pela rapariga de forma a fazer tudo para conquistá-la.
Temos ainda o caso de da morte de Raquel, cuja narrativa é como segue: “Então Raquel, ao sair-lhe a alma (porque morreu), chamou ao filho Benoni; mas seu pai chamou-lhe Benjamim.” (Gn 35:18). Quando o espírito saiu do corpo, este ficou sem vida. Quando deixou de respirar o corpo perdeu a vida que tinha recebido de Deus.
Quando José quis reter consigo o seu irmão Benjamim, Judá interveio a seu favor com estas palavras, correspondentes ao afecto existente entre pai e filho: “Agora, pois, se eu for ter com o teu servo, meu pai, e o menino não estiver connosco, como a sua alma está ligada com a alma dele, acontecerá que, vendo ele que o menino não está ali, morrerá;” (Gn 44:30).
Sentindo falta de pão, e enfastiados com o maná, o povo hebreu queixou-se perante Moisés desta maneira: “Mas agora a nossa alma se seca; coisa nenhuma há senão este maná diante dos nossos olhos.” (Nm 11:6). Ora, a alma não mirra, o corpo é que emagrece por falta de alimento. Eles revelaram cansaço de comerem a mesma coisa durante tanto tempo.
Ao transmitir as leis de Deus, Moisés proibiu a todas as pessoas qualquer trabalho no dia consagrado ao descanso, usando a palavra ‘alma’: “Também toda a alma que nesse dia fizer algum trabalho, eu a destruirei do meio do seu povo.” (Lv 23:30).
Mais uma vez o povo perdeu a paciência com as voltas que tinham de fazer na sua peregrinação até à terra prometida: “Então partiram do monte Hor, pelo caminho que vai ao Mar Vermelho, para rodearem a terra de Edom; e a alma do povo impacientou-se por causa do caminho.” (Nm 21:4). A ‘alma’ do povo representa, aqui, o desânimo colectivo porque esperavam, naquela aventura, um decorrer mais fácil.
A palavra ‘alma’ com significado de pessoa encontra-se também no relato do ofício sacerdotal perante Deus: “E o sacerdote fará perante o Senhor expiação pela alma que peca, quando pecar sem querer; e, feita a expiação por ela, será perdoada.” (Nm 15:28). Foi por este motivo que o Senhor interditou o sangue na comida dos hebreus. Assim como a vida depende do sangue, que leva oxigénio a todas as partes do corpo, também o pagamento pelo pecado devia ser efectuado com sangue animal, em substituição do pecador. O valor da expiação era o valor do animal oferecido e imolado no altar dos sacrifícios.
A carne da vítima substituta podia ser comida, porém o seu sangue não era comido porque tinha sido destinado para ser espargido sobre e à volta do altar do sacrifício em expiação pelo pecado, conforme o relato de Êxodo: “E Moisés tomou a metade do sangue, e a pôs em bacias; e a outra metade do sangue espargiu sobre o altar.” (Êx 24:6). “Então tomou Moisés aquele sangue e espargiu‑o sobre o povo e disse: Eis aqui o sangue do pacto que o Senhor tem feito convosco no tocante a todas estas coisas.” (Êx 24:8). “Tão-somente guarda-te de comeres o sangue porque o sangue é a vida; por isso não comerás a vida com a carne.” (Dt 12:23). Todos sabemos que quando há perda de sangue no corpo, há necessidade repor alguma quantidade para revigorar a energia, que é a vida no corpo.
Ainda temos a referência à dedicação devida ao Senhor por todos aqueles que são expiados pelo sangue da vítima substituta: “Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças.” (Dt 6:5). “Agora, pois, ó Israel, que é que o Senhor teu Deus requer de ti, senão que temas o Senhor teu Deus, que andes em todos os seus caminhos, e o ames, e sirvas o Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma” (Dt 10:12). Isto é, todo o nosso ser deve estar disposto a servir Deus, com amor, dedicação e energia.
Agora observemos alguns trechos do Novo Testamento provando que aquele sangue derramado era simbólico, pois apontava profeticamente para o sacrifício do Cordeiro de Deus que veio para expiar os pecados do mundo. A este respeito disse Jesus: “pois isto é o meu sangue, o sangue do pacto, o qual é derramado por muitos para remissão dos pecados.” (Mt 26:28). “Por isso vos disse que morrereis em vossos pecados; porque, se não crerdes que eu sou, morrereis em vossos pecados.” (Jo 8:24). E os apóstolos Pedro e Paulo escreveram: “A ele todos os profetas dão testemunho de que todo o que nele crê receberá a remissão dos pecados pelo seu nome.” (At 10:43). “Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras” (1 Co 15:3).
Também na epístola aos Hebreus, que contém muita leitura importante a este respeito, encontramos o seguinte referente ao Senhor Jesus: “Pelo que convinha que em tudo fosse feito semelhante a seus irmãos para se tornar um sumo sacerdote misericordioso e fiel nas coisas concernentes a Deus, a fim de fazer propiciação pelos pecados do povo.” (Hb 2:17). “Porque nos convinha tal sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores, e feito mais sublime que os céus, que não necessita, como os sumos sacerdotes, de oferecer cada dia sacrifícios, primeiramente por seus próprios pecados, e depois pelos do povo; porque isto fez ele, uma vez por todas, quando se ofereceu a si mesmo.” (Hb 7:26,27).
“É nessa vontade dele que temos sido santificados pela oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez para sempre. Ora, todo o sacerdote se apresenta dia após dia, ministrando e oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca podem tirar pecados; mas este, havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, assentou-se para sempre à direita de Deus, (Hb 10:10–12).
Conclusão
Pelo exposto acima concluímos que a palavra hebraica ‘nefesh’, representada pelo grego ‘psico’, tem o significado de ‘alma, vida, espírito, fôlego, eu mesmo, pessoa, e ser vivo’. Aprendemos também que não é a alma que está no sangue, mas sim a vida, cujo sangue, a circular constantemente no corpo, lhe fornece o oxigénio necessário para viver. Ainda descobrimos que o sangue do sacrifício foi proibido na comida porque tinha sido consagrado para fazer expiação pelos nossos pecados. E que o cumprimento dessa simbólica profecia teve o seu pleno cumprimento no sacrifício do Senhor Jesus, que veio como o Cordeiro de Deus para tirar o pecado do mundo.
Ler ainda Hades e Sheol