“E Jesus, olhando para ele, o amou e lhe disse: Uma coisa te falta; vai vende tudo quanto tens e dá‑o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, segue-me.” (Marc 10.21)
Questão
Teremos de vender tudo quanto temos para poder servir o Senhor convenientemente?
Contexto bíblico
Quando o Senhor Jesus aconselhou aquele jovem a vender tudo quanto possuía estava-se reportando a uma referência no Velho Testamento que menciona a justiça de Deus da seguinte maneira: “Pois o Senhor vosso Deus, é o Deus dos deuses, e o Senhor dos senhores, o Deus grande, poderoso e terrível, que não faz acepção de pessoas, nem recebe subornos; que faz justiça ao órfão e à viúva, e ama o estrangeiro, dando-lhe pão e roupa.” (Deut 10:17,18).
Os judeus alimentavam a ideia de que a sua riqueza era o sinal comprovativo de serem protegidos e abençoados por Deus. Essa filosofia gerou neles uma atitude de desprezo pelos pobres, visto que se Deus os desprezava, eles o poderiam fazer igualmente. Leiamos o que escreveu Tiago acerca desta prática nefanda dos ricos: “Ouvi, meus amados irmãos. Não escolheu Deus os que são pobres quanto ao mundo para fazê-los ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam? Mas vós desonrastes o pobre. Porventura não são os ricos os que vos oprimem e os que vos arrastam aos tribunais? Não blasfemam eles o bom nome pelo qual sois chamados? Todavia, se estais cumprindo a lei real segundo a escritura: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo, fazeis bem. Mas se fazeis acepção de pessoas cometeis pecado, sendo por isso condenados pela lei como transgressores. (Tiag 2.5–9).
Por causa da sua errónea filosofia, era corrente os judeus ricos prejudicarem os mais pobres com salários baixos e outras explorações contrárias à lei de Deus. Tiago denuncia esta prática vil do seu tempo deste modo: “E agora, vós ricos, chorai e pranteai, por causa das desgraças que vos sobrevirão. As vossas riquezas estão apodrecidas, e as vossas vestes estão roídas pela traça. O vosso ouro e a vossa prata estão enferrujados; e a sua ferrugem dará testemunho contra vós, e devorará as vossas carnes como fogo. Entesourastes para os últimos dias. Eis que o salário que fraudulentamente retivestes aos trabalhadores que ceifaram os vossos campos clama, e os clamores dos ceifeiros têm chegado aos ouvidos do Senhor dos exércitos. Deliciosamente vivestes sobre a terra, e vos deleitastes; cevastes os vossos corações no dia da matança.” (Tiag 5.1–5).
Há mil anos antes, já o salmista havia denunciado esta prática perversa ao dirigir-se aos líderes, como representantes de Deus, desta maneira: “Até quando julgareis injustamente e tereis respeito às pessoas dos ímpios? Fazei justiça ao pobre e ao órfão; procedei rectamente com o aflito e o desamparado. Livrai o pobre e o necessitado, livrai-os das mãos dos ímpios.” (Sal 82.2–4).
E Isaías procede igualmente quando profetiza acerca do estado de Israel e os convida ao arrependimento e a praticar a justiça: “Lavai-vos, purificai-vos; tirai de diante dos meus olhos a maldade dos vossos actos; cessai de fazer o mal; aprendei a fazer o bem; buscai a justiça, acabai com a opressão, fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva.” (Isa 1.16,17). E acusa a sua liderança de ser rebelde e ladroagem: “Os teus príncipes são rebeldes e companheiros de ladrões; cada um deles ama as peitas e anda atrás de presentes; não fazem justiça ao órfão e não chega perante eles a causa da viúva;” (v. 23). para privarem da justiça os necessitados, e arrebatarem o direito aos aflitos do meu povo; para despojarem as viúvas e roubarem os órfãos!” (Isa 10.2).
Ao mesmo tempo profetiza da vinda do Messias, temente a Deus e praticante da justiça: “E deleitar-se‑á no temor do Senhor; e não julgará segundo a vista dos seus olhos, nem decidirá segundo o ouvir dos seus ouvidos; mas julgará com justiça os pobres, e decidirá com equidade em defesa dos mansos da terra; e ferirá a terra com a vara de sua boca, e com o sopro dos seus lábios matará o ímpio. A justiça será o cinto dos seus lombos, e a fidelidade o cinto dos seus rins.” (Isa11.4,5).
Quando Jesus iniciou o Seu ministério entrou na sinagoga da sua terra e foi chamado para a leitura; então leu isto na profecia de Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim porquanto me ungiu para anunciar boas novas ao pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos.” (Lc 4:18).
Então ensinava deste modo os seus ouvintes fariseus: “Mas quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os mancos e os cegos; e serás bem-aventurado; porque eles não têm com que te retribuir; pois retribuído te será na ressurreição dos justos.” (Luc 14.13,14). Observemos a seguir o primeiro rico a tomar uma atitude correcta: “Zaqueu, porém, levantando-se, disse ao Senhor: Eis aqui, Senhor, dou aos pobres metade dos meus bens; e se em alguma coisa tenho defraudado alguém, eu lho restituo quadruplicado.” (Luc 19:8).
A Bíblia relata que os cristãos seguiram esta prática durante muito tempo, não pelo simples facto de vender o que tinham, mas porque queriam ajudar os necessitados, órfãos e viúvas abundantes naquela época. “E vendiam suas propriedades e bens e os repartiam por todos, segundo a necessidade de cada um.” (At 2:45). “Pois não havia entre eles necessitado algum; porque todos os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que vendiam e o depositavam aos pés dos apóstolos” (At 4:34).
Todavia, Paulo esclarece que, o simples facto de distribuir pelos pobres não tem galardão de Deus, mas que a acção deve ser acompanhada pelo amor: “E ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.” (1 Co 13:3). Paulo atesta que Barnabé e ele foram enviados pela igreja em missão evangelística: “recomendando-nos somente que nos lembrássemos dos pobres; o que também procurei fazer com diligência.” (Gal 2:10).
Conclusão
Não há necessidade de vender tudo para servir a Deus. Porém, o simples facto duma pessoa estar apegada aos bens materiais causa impedimento ao serviço eficiente e altruísta. A ganância pelo lucro não deixa margem para o serviço desinteressado. Pois onde estiver o nosso tesouro aí estará o nosso coração.