A REFORMA NA ESPANHA
Na Espanha a situação não era diferente dos outros estados europeus. Os bispos haviam-se tornado mais guerreiros do que pastores. Frequentemente envolviam-se em intrigas políticas devido aos seus interesses económicos. Os seus filhos bastardos reclamavam descaradamente os direitos de sangue à nobreza. Havia sacerdotes com filhos de várias mulheres. Além disso, a maioria deles era incapaz de responder às mais simples questões teológicas. Eles nem entendiam o que diziam nas celebrações.
Perante estes factos os reis católicos intentaram a reforma e, para o efeito, reclamaram ao papa que lhes concedesse o direito de nomear alguém do seu agrado. A nomeação da liderança coube ao franciscano Francisco Xeminez de Cisneros, homem erudito, humanista, e leitor das obras de Erasmo.
Cisneros cedo se tornou conselheiro da rainha e a seguir foi nomeado cardeal. Neste cargo tornou-se o grande reformador na Espanha. As grandes contribuições de Cisneros, com apoio da rainha, foram a fundação da Universidade de Alcalá (1498) e a publicação da Bíblia Poliglota Complutense, cujo trabalho durou quinze anos, e foi impressa em 1517. Havendo sido enviada ao papa para exame, este só concedeu o “imprimatur” três anos depois. Quando foi editada já o cardeal tinha morrido e não viu a sua obra.
Três judeus convertidos encarregaram-se do texto hebraico. Um cretense e dois helenistas espanhóis prepararam o texto grego, enquanto bons latinistas ocuparam-se do texto latino. Esta Bíblia é composta por seis volumes; quatro para o Antigo Testamento, o quinto para o Novo Testamento, e o sexto para uma gramática hebraica, aramaica e grega. É considerada uma obra mestra da erudição espanhola.
O trabalho reformador de Cisneros visava acabar com o judaísmo, o islamismo, e as heresias luteranas. Como este processo reformador não produzia os efeitos esperados a coroa decidiu pedir ao papa licença para implantar no seu território a Inquisição, a qual foi concedida em 1478. E para inquisidor geral foi nomeado o frade dominicano Tomás de Torquemada, homem cruel e intolerante. O seu método era ou conversão ou a morte.
Entretanto, os escritos de Lutero chegaram a Espanha em 1519, e no ano seguinte foi traduzido o seu comentário aos Gálatas para o castelhano.
Um dos principais promotores da Reforma na Espanha foi Juliano Hernandez. A Inquisição torturou-o várias vezes sem conseguir arrancar-lhe qualquer negação ou o nome de seus companheiros. Conta-se até que, ao regressar à sua cela, após o longo suplício, ia cantando: “Vencidos vão os freis, vencidos vão. Corridos vão os lobos, corridos vão”. Depois de três anos de torturas foi lançado na fogueira e morreu corajosamente proferindo o seguinte: “Coragem, camaradas! Esta é a hora em que devemos nos mostrar valentes soldados de Jesus Cristo. Demos fiel testemunho de sua fé diante dos homens e dentro de poucas horas receberemos o testemunho de sua aprovação diante dos anjos!”
Os dois grandes centros da Reforma foram Valladolid e Sevilha. Até 1556 já ali haviam sido fundadas algumas comunidades de inspiração reformada. A Reforma atingiu o convento de Santo Izidoro e os monges passaram a dedicar mais tempo às Escrituras. Mas, nos começos de 1558 correu a notícia de que a inquisição se preparava para combater os círculos reformadores.
Os monges, alertados, reuniram-se para discutir sobre o assunto e decidiram que cada um ficaria livre para seguir o rumo que entendesse. Doze deles combinaram encontrar-se em Genebra e partiram por rotas diferentes para lá. Entre esses refugiados encontravam-se três personagens importantes na história da Bíblia Castelhana.
Poucos dias após a sua partida de Sevilha cerca de oitocentas pessoas foram parar aos cárceres da inquisição, e umas oitenta de Valladolid. O primeiro acto de fé foi realizado em Valladolid em 21 de Maio de 1559, sendo mortas 14 pessoas e 16 castigados a penitência publica. Esta prática cruel durou dez anos.
A obra notável dos três exilados foi a tradução da Bíblia para o castelhano. Francisco de Enzinas, em 1543, havia publicado a sua versão do Novo Testamento a partir do texto grego de Erasmo. Dedicou-o ao imperador Carlos V a quem ofereceu um exemplar. Por sua vez este enviou-o ao seu confessor. Enzimas foi acusado e encarcerado por fomentar a heresia. João Perez publicou o Novo Testamento, em 1556. E antes de morrer, em Paris, deixou a sua herança para a publicação da Bíblia castelhana. Coube a Casiodoro de Reina a empresa dessa tradução a qual foi publicada em 1569. Cipriano de Valera, em 1602, publicou a revisão daquela Bíblia, que tem sido a mais usada na língua de Castela.
Eram muitos os leitores tanto de Erasmo como de Lutero. Assim como também foram muitos os perseguidos pelos frades inquisidores. Um deles, chamado Juan de Valdés, é considerado o verdadeiro tipo de reformador que a Espanha precisava. Era profundo conhecedor das Sagradas Escrituras e dominava perfeitamente o castelhano, latim, grego e hebraico.
Enquanto estudava, na Universidade de Alcalá, escreveu “Dialogo de Doctrina Cristiana” considerado a primeira obra evangélica editada em Espanha. Embora tenha sido publicado sem o seu nome, este livro levantou logo suspeitas à Santa Inquisição. As suas obras foram classificadas de luteranas e ele um herege típico. O que valeu a Valdés foi o processo ter caído nas mãos de teólogos amigos em Alcalá. Não chegou a ser preso porque em 1530 se exilou em Roma. Valdés escreveu outras obras que são consideradas obras-primas da língua castelhana. É considerado o maior reformador espanhol, comparável ou talvez superior a Calvino.