LIÇÃO 14 

A REFORMA EM PORTUGAL 

É do conhecimento geral que a Reforma não trouxe uma influência significativa ao nosso país. Embora algumas personalidades tenham viajado pela Europa e até contactado com reformadores, isso não afectou o pensamento religioso contemporâneo. Ainda que alguns escritos seus tenham chegado ao nosso país só alguns privilegiados, em secreto e sujeitos a perseguição pelo Santo Ofício, puderam tomar conhecimento deles.

Há notícia que D. Afonso V, em 1451, antes de chegar a inquisição, mandou queimar obras de Wycliff e de Huss. E D. Manuel I, a pedido do papa, proibiu a divulgação das obras de Lutero. Mas, apesar da perseguição à literatura reformista ela continuava a chegar clandestinamente para compradores certos, ávidos por novos conhecimentos.

Alvores da Reforma

Dentre os muitos personagens que terão contribuído para os alvores da Reforma em Portugal será conveniente recordar alguns que considero principais.

A rainha D. Leonor de Lencastre (1458-1525), mulher de D. João II, que herdou dos pais a gosto pelas letras, em 1495, mandou imprimir a “Vida de Cristo” de Rodolfo da Saxónia. E em 1497 foi impresso, no Porto, outro livro importante em português, provavelmente também por ordem sua, “Os Evangelhos e as Epístolas”. Estas duas obras terão contribuído para o alvorecer da Reforma em Portugal?

Gil Vicente (1465-1536) provavelmente foi influenciado por leituras de Erasmo e Savonarola. Em 1502 iniciou a representação dos seus Autos, na corte de D. João II, criticando os vícios sociais, sobretudo do clero e da nobreza, num estado decadente em toda a Europa. Por exemplo, o investigador Marcel Bataillon é de opinião que o Auto da Cananeia parece conter uma paráfrase do Salmo 51, semelhante à de Savonarola. O mestre Gil não escapou às malhas da Inquisição. Algumas das suas obras constaram no Index de livros proibidos. Porém, o nosso dramaturgo morreu antes que fosse encarcerado.

Damião de Gois (1502-1572) foi o maior humanista português e livre pensador. Natural de Alenquer, aos onze anos passou a viver na corte, onde teve como companheiro de brincadeira o príncipe que viria a ser o futuro rei D. João III. Quando este subiu ao trono nomeou Damião para a Feitoria de Portugal na Holanda. Nas suas viagens teve ocasião de ouvir Lutero, de tomar até uma refeição com ele, e de conhecer Melanchton. Também conviveu algum tempo com Erasmo sendo seu hóspede durante quatro meses.

Gois interessava-se pelo saber e procurava constantemente aumentar os seus conhecimentos. Entre as suas obras de escritor e cronista do rei D. Manuel, são de referir duas de cariz religioso explanando o sistema, teologia e tradições da Igreja Etíope. Toda esta sua actividade trouxe-lhe alguns problemas com a Santa Inquisição, a qual procurava impedir que as novas ideias corrompessem a mente dos portugueses.

Houve então uma regular troca de correspondência entre Damião e o cardeal D. Henrique, que era o inquisidor-mor. Gois apresentou o seu protesto ao cardeal. O cardeal, que mantinha uma certa consideração pelo escritor, enviou-lhe uma carta amistosa, a qual transcrevo na íntegra: “Damião de Gois: Por ser cá ordenado que os livros novos que vieram de fora, primeiro que se vendam, sejam vistos por um oficial da Santa Inquisição, como a vossa obra veio foi ter à sua mão, o qual achou nela muitas coisas boas, somente uma coisa o ofendeu: as razões que o embaixador do Preste nela dá sobre as coisas da fé contra o bispo adaião e o Mestre Margalho irem mui fortes, e as que eles dão contra o embaixador serem mais fracas. E dando-me ele conta disto, sem embargo de eu saber vós serdes tal pessoa e de tão boa consciência, contudo, assim pelo cargo que tenho como pela obrigação em que vos sou, assentei que sobrestivesse na venda dos ditos livros, por me parecer que vós assim o haveríeis por bem pelo que dito tenho. E vos rogo, pois sabeis que gente é a portuguesa e quanto folga de repreender, que daqui em diante empreendais antes obra de outra qualidade, que eu sei quão bem vós sabereis fazer. E vos agradecerei muito se me escreverdes novas de Alemanha e da Dieta e particularidades dela, porque folgarei de o saber por carta vossa. Escrita em Évora, 24 de Julho, Jorge Coelho, secretário a fez, de 1541. – Iffante dom amrique”.  

(in, O Alvorecer da Reforma em Portugal, pg.137).

Um certo Simão Rodrigues, jesuíta traiçoeiro e confessor do príncipe, acusou Damião, perante a Inquisição de Lisboa, de ser inclinado às heresias de Lutero, aos 5 de Setembro de 1545. Porém, esta denúncia permaneceu inactiva até 1571, ano em que foi retomado o seu processo. Entretanto, Gois havia publicado a sua obra-prima, a Crónica do rei D. Manuel, a qual lhe causou os maiores dissabores.

Finalmente, a 4 de Abril foi preso e encarcerado na masmorra secreta, onde nem sequer podia ter um livro para ler. Durante um ano compareceu a dezoito vezes perante os juizes inquisidores. Ele chegou a pedir aos frades, “pelas cinco chagas de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo”, que o despachassem. Após um ano de sofrimento, e depois de lhe permitirem regressar a sua casa, numa manhã de Janeiro, foi encontrado morto junto à lareira. Então apareceu a pergunta: “Quem matou Damião?”

D. João IV, rei de Portugal, assinou em 1641 um tratado com Carlos I, da Inglaterra, garantindo aos súbditos britânicos a liberdade de consciência e religião. Como resultado foi estabelecida a primeira igreja reformada para estrangeiros em Portugal.

JOÃO FERREIRA DE ALMEIDA

Nascimento: nasceu em 1628, em Torre de Tavares, Concelho de Mangualde, Distrito de Viseu. Cedo ficou órfão de pai e mãe e muito novo foi viver com um tio padre em Lisboa. 

Aos 13 anos empreende a emigração para a Holanda, terra do humanista Erasmo, ninguém sabe porquê. Pelas pesquisas que fiz ouso dizer que João Ferreira de Almeida descenderia de cristãos-novos. 

As Sentenças da Inquisição de Coimbra, do Cartório Dominicano Português, a pp. 144 e 269, relatam a sentença de membros das famílias Ferreira e Almeida por práticas judaicas na vila de Lamego, nos finais do século XVI. 

Ora, nos princípios do século XVII havia membros das famílias Ferreira e Almeida em Torre de Tavares, ascendentes do tradutor, cujos pais terão sofrido o castigo da Inquisição por suas práticas judaicas, tendo João ficado órfão e ao cuidado de seu tio que era padre, reeducado pelos Jesuítas.

Passado algum tempo emigra de novo, agora para Java, na Indonésia, que os holandeses haviam conquistado aos portugueses em 1641. Em Java leu um folheto intitulado “Diferença da Cristandade da Igreja Reformada e da Romana” e converteu-se integrando-se na Igreja Reformada Holandesa. 

Aos 17 anos sentiu a falta do texto bíblico em português e começou a traduzir o Novo Testamento a partir do latim, a par com as versões espanhola, italiana e francesa, que terminou aos 40 anos.

Aos 20 anos casou com a filha de um pastor holandês e viajou até à Índia e Ceilão (a Taprobana de Camões). Aos 28 anos foi ordenado pregador na Igreja Reformada Holandesa.

Entusiasmado, empenha-se no estudo das línguas originais, hebraico e grego, e prossegue na tradução da Bíblia, chegando somente até Ezequiel 48.21, vindo a falecer a 6 de Agosto de 1691, com 63 anos. Um colega judeu, Jacob, op den Akker, concluiu o seu trabalho. Este relacionamento é outro motivo que parece apoiar a ideia de que João seria descendente de cristãos-novos. 

Foi o 1º português protestante a ser evangelista e pregador ordenado. 1º missionário protestante português na Índia pós Reforma. O 1º tradutor da Bíblia em português. 

João Ferreira de Almeida (1628-1691), convertido na Indonésia, recebeu a sua educação teológica na Igreja Reformada da Holanda, sendo o primeiro português a ser ordenado ministro do evangelho, mas para servir no estrangeiro. Sentindo a necessidade que o povo de língua portuguesa, na Indonésia, tinha de ler as Escrituras na sua própria língua, entregou-se à tarefa e foi o primeiro tradutor da Bíblia, a partir das línguas originais, para o português. O Novo Testamento foi editado em 1681. Ainda conseguiu traduzir o Antigo Testamento até Ezequiel, antes da sua morte. A parte restante ficou a cargo dum colega seu, que era judeu convertido, e a terminou em 1694. Contudo, a publicação integral da Bíblia só aconteceu em 1809. 

Antes dele, fala-se do protestantismo de Damião de Gois (encontrado morto na sua casa depois de sofrer nas masmorras da Inquisição) e Francisco Xavier de Oliveira, (o Cavaleiro de Oliveira) queimado em efígie em 1762. 

Consulta:
Deus, o Homem e a Bíblia, Sociedade Bíblica de Portugal, Lisboa, 1992.
Sentenças da Inquisição de Coimbra, Arquivo Histórico Dominicano Português, Porto, 1982.

Sociedade Bíblica em Portugal

Um facto importante aconteceu no início do século XIX com a implantação em Portugal da Agência da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, em 1809, para a disseminação das Sagradas Escrituras. A partir daí muitos percorreram o país distribuindo a Bíblia ou porções da mesma. Eles lançaram a semente que haveria de dar fruto mais tarde.

Como resultado das reformas do Marquês de Pombal foi editado em Portugal, na língua portuguesa, o famoso livro de John Bunyan “O Peregrino”, no ano de 1778.

Os primeiros frutos

O cirurgião escocês Robert Kalley e sua esposa chegaram à ilha da Madeira com a fé evangélica em 1838. Em sete anos organizaram, no Funchal, a primeira igreja presbiteriana. Em 1846 foi-lhes movida uma feroz perseguição religiosa que os obrigou a fugir, assim como cerca de dois mil fiéis. Os missionários e alguns crentes rumaram para o Brasil, onde fundaram a Igreja Fluminense no Rio de Janeiro, que mais tarde passou a fazer missão em Portugal. Passados trinta anos, a mesma igreja foi reorganizada no Funchal por António de Matos, que também fugira à dita perseguição.

Robert Stewart, capelão da comunidade escocesa de Lisboa, começou a pregar aos portugueses cerca do ano 1860. Passados seis anos era estabelecida no continente a Igreja Presbiteriana. Os Metodistas organizaram-se no Porto, em 1871, sob a liderança do missionário inglês Robert Moreton, também dirigente da Sociedade Bíblica. Após nove anos foi organizada a Igreja Lusitana. Os irmãos iniciaram a sua actividade em 1877, e a conhecida Igreja das Amoreiras foi implantada em Lisboa. A Igreja Congregacional, fruto missionário da Igreja Fluminense, no Brasil, apareceu em Lisboa no ano de 1880. Os Baptistas chegaram aos Açores em 1880, e ao continente passados oito anos.

Missões mais recentes

A Acção Bíblica é uma organização missionária, com sede na Suíça, que iniciou o seu trabalho em Portugal entre 1921/23. A Aliança Evangélica Portuguesa foi estabelecida em 1921 sob a liderança do Rev. Eduardo Moreira. A Igreja luterana começou com visitas esporádicas do pastor brasileiro Rudolf Hasse, em 1952, chegando outro pastor, definitivamente, dez anos mais tarde. O Exército de Salvação foi fundado em Inglaterra pelo pastor metodista William Booth, com características militares, a fim de responder às necessidades sociais e implantou-se em Portugal, no Porto, em 1972. A Igreja do Nazareno estabeleceu-se no Continente em 1973 como resultado do êxodo de cabo-verdianos em busca de trabalho. A Igreja de Cristo, iniciada nos Estados unidos em 1809, chegou a Portugal entre 1969-1981, sendo o trabalho consolidado pela vinda do casal missionário Sara e Richard Robison.

OS PENTECOSTAIS EM PORTUGAL

Da igreja de Belém irradiou o movimento pentecostal por todo o Brasil e também Portugal. O seu primeiro missionário foi Plácido da Costa, o qual enviaram a Portugal a fim de trazer a mensagem pentecostal à terra lusa em 1913. Havendo dedicado a sua missão especialmente ao norte do país, onde plantou algumas sementes, teve de regressar ao Brasil. Depois enviaram, com sustento da Suécia, o português José de Matos que, percorrendo o país, foi fundar a primeira igreja pentecostal em Portimão, no Algarve, em 1923/24.

Entretanto, Daniel Berg juntou-se ao irmão Plácido e estabeleceram a Assembleia de Deus na cidade do Porto em 1932. O missionário sueco Jack Hardstedt sentiu a chamada para rumar até Lisboa onde alugou uma capela católica, na Rua da Verónica, para celebrar os primeiros cultos, também com dezoito pessoas. A 13 de Maio de 1934 foram celebrados os primeiros baptismos. A partir destas três cidades expandiu a mensagem pentecostal por todo o país até chegar a ser o maior agrupamento evangélico.

A Igreja de Deus implantou-se em Portugal em 1965. O trabalho entre ciganos começou em 1966, no Norte, mas Igreja Evangélica Cigana impôs-se no País em 1972. Como resultado da liberdade alcançada na revolução de 25 de Abril têm chegado a Portugal, recentemente, imensas igrejas de expressão pentecostal ou carismática de difícil enumeração. Logos, Peniel, Livramento, etc.

Monte Esperança

A Quinta do Vale das Maias, em Fanhões, foi comprada pela Missão das Assembleias de Deus nos Estados Unidos, em Julho de 1974, cujo missionário, Samuel Johnson, veio a Portugal para o efeito. Logo começaram as obras para edificar o Instituto Bíblico que temos presentemente. No seu primeiro ano lectivo, em 1975/76, graduou vinte e cinco alunos. E já graduaram aqui mais de trezentos que estão servindo espalhados pelo mundo. Em Abril de 1994 deu início ao quarto ano, especialmente para aqueles que estão no activo.

Desafio Jovem

O seu primeiro obreiro e fundador foi o Pr. Joaquim Lucas da Silva, que em Agosto de 1978 inaugurou o primeiro Café Convívio, em Lisboa. Depois de muitas lutas foi comprada a Quinta onde se encontra o a Sede do Centro, e as obras da primeira fase ficaram concluídas em 1981. A seguir o Pr Lucas foi coadjuvado no serviço pelo irmão Leonídeo Ascensão. Com o apoio legal do Desafio Jovem dos Estados Unidos começou a funcionar com resultados positivos. Presentemente conta com vários Centros de Recuperação de toxicodependentes.

Características Histórico-Teológicas

Podemos considerar cinco as características histórico-teológicas que distinguem a igreja pentecostal:
1.      Novo nascimento pela graça de Deus mediante a fé no sacrifício de Cristo.
2.      Santificação pela graça de Deus e acção do Espírito Santo nos crentes.
3.      Baptismo por imersão aos arrependidos que crêem na divindade, no sacrifício e na ressurreição de Cristo.
4.      Baptismo no Espírito Santo para todos os salvos cumprirem o ministério da reconciliação.
5.      Distribuição dos Dons Espirituais aos santos para edificação da Igreja de Cristo.