LIÇÃO 2

ANTECEDENTES DA REFORMA 

RELIGIÃO POPULAR

Desde Constantino que os templos pagãos eram transformados em igrejas. O cristão mantinha a sua cultura ancestral pagã traduzida em moldes cristãos.
Eram populares a veneração de Maria, santos, relíquias sagradas. Era fomentado o comércio das relíquias sagradas para recordar personalidades.
Faziam peregrinações a santuários famosos na expectativa duma cura milagrosa. No séc. XII Maria tornou-se a Mãe Universal e medianeira junto do filho.
Reis, cavaleiros e camponeses imploravam a intercessão de Maria. Multiplicavam-se os pedaços da cruz de Cristo que servia de protecção contra os ladrões.
Os cavaleiros traziam na bainha da espada ossos, dentes e cabelos de santos. Cada edifício religioso precisava duma relíquia que lhe concedesse importância.
Este é o pano de fundo cultural que fez estalar a reforma religiosa na Europa.  

INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA

Como Orígenes, os intérpretes medievais adoptaram durante a idade média o seguinte esquema de interpretação:

1.       – O sentido literal ensina a história, os acontecimentos.
2.       – O sentido alegórico ensina o que deve ser acreditado.
3.       – O sentido moral, refere aquilo que deve ser feito.

4.       – O sentido anagógico, ou espiritual, aquilo que deve ser a nossa aspiração:  

Ex. 1: – “água” podia significar:          Literal              1.  água física
                                                         Alegórico         2.  baptismo
                                                         Moral              3.  heresia, dor, sabedoria,                                                                                                        prosperidade
                                                         Anagógico       4.  felicidade eterna
Ex. 2: – “Faça-se luz” podia significar:                       1.  O começo da criação
                                                                                 2.  Seja Cristo o amor
                                                                                 3.  Ser iluminados por Cristo
                                                                                 4.  Glorificados por Cristo

PERSEGUIÇÃO E INQUISIÇÃO  

Nos princípios do século XII surgem os dissidentes na Europa clamando por purificação da igreja oficial. Os mais importantes eram os Cátaros (ou Albigenses) e os Valdenses. Estes movimentos foram objecto de perseguição e inquisição por parte das autoridades religiosas e civis. O papa Inocêncio III na bula Ad extirpanda, (1252) mobilizou uma cruzada e autorizou o emprego da tortura para combatê-los. Foi o princípio para aparecer a Inquisição oficial.      

FACTORES RESPONSÁVEIS PELA REFORMA

Vários são os motivos apresentados como causadores da Reforma. Por volta do século XIV a sociedade medieval estava desmoronando. A insatisfação social e a ansiedade premente por uma mudança originaram o movimento reformador. Eis alguns factores importantes: 

O factor moral. A corrupção a vários níveis instalara-se na hierarquia da Igreja Romana. Negociavam os cargos eclesiásticos, a que se deu o nome de simonia. Muitos acumulavam vários cargos recebendo deles salário sem lhes prestar a devida assistência. Muitos clérigos, até mesmo papas, possuíam as suas concubinas e seus filhos bastardos, a quem entregavam postos relevantes. “O português Inácio de Azevedo era filho de um padre, neto de um bispo, filho e neto de freiras. Quando teve conhecimento da sua origem considerou-se um quádruplo sacrilégio”. (in, A Reforma, pg. 268, Livros Pelicano).  

O factor teológico. A Igreja Medieval adoptara a filosofia de Tomás de Aquino segundo a qual a vontade do homem não estava totalmente corrompida. E que mediante a fé nos sacramentos ministrados pelos sacerdotes encontraria o perdão. No lado oposto estava a teologia de Agostinho ensinando que a vontade do homem estava de tal modo depravada que ele nada poderia fazer para sua salvação. Esta contrariedade aguçava o apetite em busca da verdade.  

O factor religioso. Frederico da Saxónia era detentor de mais de 5000 relíquias, pedaços de cruz e ossos de santos, considerados prodigiosos. Foi divulgado que num simples olhar para elas uma pessoa reduziria cerca de dois milhões de anos a estadia no purgatório. Podemos denominar isto como turismo rentável.  

O factor económico. Os governantes já lamentavam a existência de tanta riqueza nas mãos da Igreja. Além disso, consideravam uma perda o dinheiro enviado para o tesouro papal. A agravar a situação juntou-se o abuso da proclamação das indulgências, enriquecendo ainda mais o papado e deixando a Alemanha mais pobre. Este estado de coisas enfureceu Lutero e fez eclodir a Reforma na Alemanha.

O factor político. Os novos governantes do noroeste da Europa não viam favoravelmente a existência duma Igreja Universal com jurisdição sobre os seus estados que queriam livres da tutela papal. Isto contribuiu para que alguns príncipes ajudassem os reformadores.

O NEGÓCIO DAS INDULGÊNCIAS 

O arcebispo Alberto (1490-1545) já dominava duas províncias da Igreja Romana. Mas, ainda cobiçou o arcebispado de Mainz, na Alemanha, que estava vago; isto em 1514. Ele tinha apenas vinte e três anos e era tão ambicioso por poder e riqueza. Ainda que era proibido, canonicamente, alguém ter mais que um cargo, não deixou de tentar a oportunidade. Para o conseguir teria de pagar grande quantia às finanças papais (Leão X). Assim o fez.

Mas, como o papa carecia de dinheiro para construir a catedral de S. Pedro exigiu de Alberto, além daquele imposto, um complemento em virtude do cargo acumulado. E como poderia ele pagá-lo? O papa sugeriu que o jovem arcebispo tomasse o dinheiro emprestado dos banqueiros Fuggers, de Augsburg. Então, o papa emitiu uma bula autorizando a venda de indulgências nos estados alemães como garantia do pagamento aos banqueiros. Neste negócio metade da receita seria para o papa e a outra metade para pagamento aos Fuggers. Está visto que o povo era explorado em benefício de gente sem escrúpulos.  

A teologia das indulgências

As indulgências estavam relacionadas com o sacramento da penitência. Ensinavam que a culpa e o castigo pelo pecado eram perdoados, mas havia uma exigência temporal que o pecador deveria cumprir em vida ou no purgatório. O penitente deveria fazer uma peregrinação a um lugar sagrado, pagar certa importância à Igreja, ou fazer uma obra meritória. A compra duma indulgência dispensava o arrependimento porque a mesma reunia méritos de perdão total.

A indulgência era um certificado papal do perdão concedido a quem pagasse por ele. O pecador arrependido devia confessar o seu pecado e pagar alguma coisa, conforme a sua possibilidade, para ser absolvido pelo sacerdote. Este procedimento foi declarado dogma por Clemente VI em 1343. Sixto IV, em 1476, concedeu este privilégio também às almas do purgatório, cujos parentes adquirissem por eles as indulgências.

Este levantamento de fundos foi descaradamente usado em favor do príncipe Alberto, a fim dele pagar a dívida ao papa e aos Fuggers. O principal agente da negociata foi o monge dominicano alemão, Johannes Tetzel que, por toda a Alemanha, pregava ardorosamente sobre os benefícios das indulgências. Conta-se que Tetzel recebia por mês o equivalente a mil dólares, além do reembolso das despesas. Tanto ele como outros vendedores eram acompanhados por um representante dos banqueiros a fim de assegurarem que a metade da receita entrasse no banco. O pobre podia recebê-la de graça, mas a um rei poderia custar cerca de trezentos dólares. Na promoção das indulgências eram usados artifícios escandalosos, tais como: A indulgência deixava o pecador mais limpo que o baptismo, ou mais limpo que Adão antes de cair; e que a cruz do vendedor de indulgências tinha tanto poder como a cruz de Cristo. Afirmavam que logo que a moeda caísse na caixa a dita alma sairia do purgatório.

FORÇAS QUE AJUDARAM A IMPLANTAR A REFORMA

A Renascença. O Humanismo renascentista, no século XV, criou um espírito secular e científico que ajudou tanto o início como o progresso da Reforma. Nascera um novo interesse pelas artes, pela ciência, e pela literatura, inteiramente separado da religião. O novo movimento não era obra de sacerdotes nem de monges, mas de leigos interessados na investigação do passado. Despertou um novo interesse pelas Escrituras e pelas suas línguas, hebraica e grega. 

Erasmo, um dos humanistas da época, recebeu grande contributo do movimento para se interessar pela investigação e apresentar a sua versão do Novo Testamento em grego e latim (1516), onde muitos estudiosos descobriram os fundamentos da verdadeira fé bíblica. Outra das suas contribuições foi o “Elogio da Loucura”, (1511) uma sátira criticando o sistema medieval. Erasmo não poupa ninguém, todos ali têm lugar, na sua crítica mordaz. Apareceu também, nessa época, um pequeno livro atribuído a Tomás de Kempis, Imitação de Cristo, conclamando o povo a imitar a vida de Cristo.

A imprensa de Gutenberg (1455). Até ali as cópias eram feitas manualmente por copistas e monges dedicados sentados á sua escrivaninha. Por este motivo, uma Bíblia custava o salário anual dum operário. Assim, o povo não podia ler nem examinar as Escrituras. A imprensa de Gutenberg possibilitou a publicação da Bíblia em todos os idiomas da Europa. A Bíblia de Gutenberg, de quarenta e duas linhas, foi o primeiro livro impresso na sua prensa. 

O nacionalismo alemão. Motivados por interesses nacionalistas alguns príncipes alemães aproveitaram o movimento reformador como o meio eficaz de se libertarem da tutela do papa e deixarem de contribuir para o tesouro papal. Assim, apoiaram os reformadores nas suas acções, como é o caso de Lutero que contou com a protecção do príncipe eleitor Frederico.