LIÇÃO 3

A REFORMA LUTERANA

Lutero nasceu em 1483, em Eisleben, na Alemanha, onde seu pai trabalhava nas minas. Os rigores do lar paterno, uma tempestade em que sentiu temor da morte e do inferno, e o desejo de salvação contribuíram muito para que em Julho de 1505 ele ingressasse no mosteiro dos agostinhos em Erfurt. Lutero tinha um profundo sentimento de pecado e percebia que era mais poderoso do que ele. Por isso, Ele se esforçou bastante a fim de se tornar um monge exemplar. Frequentemente comparecia no confessionário, mas a sua paz e tranquilidade eram irreais. Ele temia até omitir alguns pecados na sua confissão. Por isso, a sua busca por salvação era constante.

Em 1508 foi nomeado para ensinar teologia na Universidade de Wittenberg, fundada pelo eleitor Frederico. Isso obrigava-o a examinar a Bíblia, cujos estudos avivaram a sua luta interior. Encontrou, porém, ajuda nos conselhos do vigário geral da Ordem, Staupitz. No inverno de 1510 e 1511 foi enviado a Roma como delegado da sua ordem. Ali viu o luxo, a luxúria e a corrupção dos clérigos, e começou a compreender a necessidade de uma reforma na Igreja.

Em 1511, Lutero foi transferido para Wittenberg e nomeado professor das Escrituras. Para melhor cumprir a sua missão estudou as línguas originais da Bíblia. Em 1512 obteve o seu doutoramento em teologia. Enquanto estudava a Epístola aos Romanos, a leitura do verso dezassete, do capítulo um, iluminou a sua mente e ficou convencido que somente pela fé em Cristo era possível ser justificado. A descoberta foi um alívio para ele e, a partir daí, a doutrina de “só Escritura, só Graça, só Fé”  passou a ser a base do seu sistema teológico. Aos poucos foi convencendo os colegas da Universidade da sua descoberta, dos quais recebeu amplo apoio.

No ano de 1517, Tetzel, monge dominicano, foi incumbido de proclamar e vender as indulgências. Eram documentos assinados pelo papa (bulas) concedendo privilégios espirituais a quem os adquirisse. Lutero e os seus amigos, na Universidade, revoltaram-se contra aquela exploração do povo, uma vez que a salvação é resultado da graça de Deus. Assim, elaborou um documento de 95 Teses, em latim, e a 31 de Outubro de 1517 foi cravá-lo na porta da Catedral do Castelo de Wittenberg com um desafio para um debate público sobre as indulgências. Ele queria levar a Igreja a uma reforma sem provocar rebelião. Porém, no dia determinado somente os catedráticos universitários compareceram para a conferência. Traduzidas para o alemão, as Teses foram impressas na nova prensa e enviadas por toda a parte disseminando as ideias luteranas. Tinha o reformador, nesta época, 34 anos. Portanto, à semelhança de Jesus e dos apóstolos, bastante jovem para tamanha tarefa.

Exemplo das suas Teses

“Deve ensinar-se aos cristãos que – a não ser que haja grande abundância de bens – são obrigados a guardar o que é necessário para seus próprios lares e de modo algum gastar seus bens na compra de perdões” (46).

“Deve ensinar-se aos cristãos que o papa – como é do seu dever – desejaria dar os seus próprios bens aos pobres homens de quem certos vendedores de perdões extorquem o dinheiro; que para este fim ele venderia – se fosse possível – a Basílica de S. Pedro” (51) .

 “São inimigos de Cristo e do povo os que em razão da pregação das indulgências exigem que a Palavra de Deus seja silenciada em outras igrejas” (53).

“Os tesouros do Evangelho são redes com que desde a antiguidade se pescam homens de bens” (65).

“Os tesouros das indulgências são redes com que agora se pescam os bens dos homens” (66).

“Por que o papa não esvazia o purgatório por um santíssimo acto de amor e das grandes necessidades das almas; isto não seria a mais justa das causas visto que ele resgata um número infinito de almas por causa do sórdido dinheiro dado para edificação de uma basílica que é uma causa bem trivial?” (82).

Lutero enviou uma cópia das teses, juntamente com uma carta muito respeitosa, ao tal arcebispo Alberto de Brandeburgo. Este, sentindo-se prejudicado, enviou o correio para Roma, ao papa Leão X, com o pedido de intervenção. O imperador Maximiliano também ficou irado com as atitudes de Lutero e pediu a intervenção do papa. Este, por sua vez, enviou a questão à congregação dos agostinhos em Heidelberg e Lutero foi convocado a comparecer perante o principal da Ordem. Temendo por sua vida, dirigiu-se para lá e qual não foi o seu espanto quando soube que muitos dos monges eram favoráveis à sua doutrina. Lutero regressou a Wittenberg fortalecido com o apoio da sua Ordem.

O julgamento de Lutero

O papa tomou então outra decisão. Comissionou o cardeal Caetano, da ordem dominicana, que era o legado papal à dieta (assembleia) do império, para entrevistar Lutero e o obrigar a retractar-se sob pena de ser levado prisioneiro a Roma. Mesmo sabendo que João Huss, na Boémia, havia sido queimado em violação dum salvo-conduto, em 1415, o príncipe Frederico pediu ao imperador Maximiliano um salvo-conduto para Lutero comparecer perante o cardeal em segurança. Um ano após da afixação das teses, em Outubro de 1518, Lutero apresentou-se na dieta para responder por sua heresia. Essa entrevista não resultou porque o cardeal só intimava Lutero a retractar-se sem poder convencê-lo, pela Bíblia, do seu suposto erro. Perante a insistência do cardeal: “Retractas-te ou não?” Lutero respondia: “Não posso nem quero retractar-me de coisa alguma, pois ir contra a consciência não é justo nem seguro. Deus me ajude. Amén”.

Lutero encontrou apoio na sua Universidade e no soberano príncipe Frederico, o Sábio. No princípio o eleitor defendeu Lutero mais por questões de justiça do que pelas suas ideias; mas posteriormente foi convencido que o monge tinha razão. Além disso, ele não apreciava que os italianos se metessem nos assuntos dos alemães. Era o nacionalismo em despertamento.

Lutero encontrou, também, em Filipe Melanchton, um aliado valioso. Tinha ele 21 anos quando chegou a Wittenberg, em 1518, para ensinar grego na Universidade. Conhecedor das línguas clássicas e do hebraico, tornou-se o teólogo da Reforma, defendendo lealmente, com outros, as opiniões de Lutero. Todos eles reconheceram a Bíblia como a única autoridade em matéria de teologia, fé e moral.

O erudito Filipe Melanchton, companheiro de Lutero durante 30 anos, foi o autor do primeiro tratado teológico da Reforma, que saiu em 1521. Atingiu inúmeras edições durante a sua vida e fez dele o teólogo do Movimento Luterano.

Durante os primeiros meses de 1519 Lutero dedicou-se a estudar a história dos papas e encontrou bases para justificar a sua dúvida sobre a autoridade papal. O estudo da Bíblia convencera-o da justificação pela fé. O estudo do papado convenceu-o de que o papa não tinha recebido o direito de ser a cabeça de todas as igrejas.

Posteriormente, Lutero foi convencido para uma discussão pública com o brilhante orador e teólogo conservador John Eck, em Leipzig, no mês de Julho de 1519. Eck, com a sua argúcia, conseguiu levar Lutero a admitir a falibilidade de um concílio geral e a confessar a sua relutância em aceitar as decisões papais sem as questionar, assim como a admitir que “entre as crenças condenadas de John Huss e seus discípulos existem muitas que são verdadeiramente cristãs e evangélicas e que a Igreja Católica não pode condenar”. Esta parcial identificação com as doutrinas hussitas alegrou Eck com uma possível vitória sobre Lutero. Seria o princípio do fim para ele. Mais tarde, em Fevereiro de 1520, escreveu ironicamente num dos seus panfletos: “Somos todos hussitas sem o saber. São Paulo e Santo Agostinho são hussitas”.

Em 1520, Lutero resolveu publicar três panfletos a fim de levar o assunto ao conhecimento do povo alemão. Em “Apelo à Nobreza germânica” atingira a hierarquia romana, demolindo, à luz das Escrituras, os argumentos papais de que a autoridade espiritual era superior à temporal, de que somente o papa poderia interpretar as Escrituras, e que somente ele poderia convocar um concílio. Para Lutero, os príncipes poderiam, caso fosse necessário, reformar a Igreja, o papa não deveria interferir nos assuntos civis, e os crentes tinham o direito de eleger os seus sacerdotes. Em “O Cativeiro Babilónico” desafiou o sistema sacramental romanista limitando a três os sacramentos válidos, Baptismo, Santa Ceia e Penitência, ou confissão privada. No terceiro panfleto, “Sobre a liberdade do Homem Cristão” atingiu a teologia romana ao reconhecer o sacerdócio de todos os cristãos como resultado da sua fé em Cristo.

Após longas controvérsias sobre os ensinamentos e publicações, Lutero foi, finalmente, excomungado por bula do papa Leão X, em Junho de 1520. Entretanto, as suas publicações alimentaram as chamas duma fogueira em Colónia. A dita bula foi recebida como um desafio e classificada como “bula execrável do anticristo”. Como resposta, aos 10 de Dezembro, perante uma assistência de professores, estudantes e povo, Lutero queimou a bula juntamente com cópias do Direito Canónico e outros decretos papais. Este acto marcava a renúncia definitiva de Lutero à Igreja Romana.

A Dieta de Worms 

Entretanto, o imperador Maximiliano morreu, deixando o trono vago; e, para o seu lugar, foi eleito Carlos I, neto dos católicos Isabel e Fernando, reis de Espanha, vindo a ser coroado como Carlos V, imperador da Alemanha. Este convocou a Dieta do Concílio Supremo para a cidade de Worms, na primavera de 1521, intimando Lutero a comparecer a fim de responder por suas novas ideias. Ao ser advertido pelos amigos de que poderia ter a mesma sorte de Huss, no Concílio de Constança, em 1415, o reformador respondeu: “Irei a Worms ainda que me cerquem tantos demónios quantas são as telhas dos telhados”.

Aos 18 de Abril de 1521, Lutero compareceu na Dieta, presidida pelo imperador. Durante o interrogatório mostraram-lhe um montão de livros e perguntaram-lhe se os havia escrito. Depois de os haver examinado respondeu que sim e que havia outros que não estavam ali. Após longo interrogatório e perante o pedido que se retractasse e renegasse o que havia escrito, respondeu: “A não ser que eu seja convencido do erro pelo testemunho das Escrituras ou – visto que não dou valor à autoridade não provada do papa e dos concílios, por ser claro que muitas vezes eles erraram e frequentemente se contradisseram – por um raciocínio evidente, continuo convencido pelas Escrituras às quais apelei e minha consciência foi feita cativa pela Palavra de Deus, não posso e não quero retractar-me de qualquer coisa, pois agir contra a nossa consciência não é coisa segura nem permitida a nós. Esta é a minha posição. Não posso agir diversamente. Que Deus me ajude. Amén”. (Doc. Igreja Cristã, pg. 250).

Por fim, Lutero deixou a cidade em paz e regressou a Wittenberg sob escolta do imperador. Após a sua partida a assembleia publicou um decreto que proibia a leitura dos seus escritos, assim como a qualquer cidadão dar alojamento ao monge rebelde, mas que deviam prendê-lo enviá-lo às autoridades imperiais. Porém, no caminho foi assaltado por soldados do seu protector Frederico que o conduziram para o Castelo de Wartzburg. Ali, permaneceu disfarçado e protegido, sob o nome de Cavaleiro George, porém, com algumas lutas internas, até mesmo com o diabo. Foi nesse período, de Maio de 1521 a Março de 1522,  que traduziu o Novo Testamento para o alemão, o qual era levado para toda a parte por mercadores. A tradução do Antigo Testamento só foi completada alguns anos mais tarde, em 1534.

A Bíblia de Lutero tornou-se o monumento da literatura alemã. Escreveu muitos panfletos, assim como belos hinos, como “Castelo Forte”. Para instrução nas igrejas elaborou os Catecismos Maior e Menor. Também se interessou com a instrução do povo para que pudesse ler a Bíblia em alemão. Ele recomendou aos governantes a criação de escolas e recordou aos pais o dever de enviarem os filhos à escola. Interessou-se também pela educação secundária e universitária.

Enquanto esteve no exílio, Lutero contou com alguns colaboradores na continuação da Reforma em Wittenberg, sendo os mais destacados Melanchton e Calrstadt. Na sua ausência a Reforma tomou proporções que ele não imaginaria. Muitos monges e freiras abandonaram os conventos e casaram. Foram abolidas as missas pelos mortos. O culto foi simplificado e passaram a usar a língua do povo ao invés do latim. Os leigos começaram a receber os dois elementos da Santa Ceia, o pão e o vinho. Calrstadt ordenou a retirada das imagens das igrejas, provocando grande destruição nas obras de arte.

Entretanto, apareceram em Wittenberg três leigos de Zwickau que diziam ser profetas e vinham pregando reformas mais radicais. Afirmavam que o que importava não era o texto das Escrituras, mas sim a revelação presente do Espírito Santo. Deste modo, não precisavam da Bíblia para orientação. Ensinavam que o Reino de Deus apareceria brevemente e que os seguidores teriam revelações especiais. Perante este facto Filipe Melanchton não sabia o que fazer e pediu conselho a Lutero. Este entendeu que estava em jogo a pureza do evangelho e arriscou regressar à sua cidade universitária a fim de controlar a situação, avisando, para isso, o seu príncipe protector.

O aparecimento do nome “protestante”

O feudalismo trouxera muita opressão aos camponeses, os quais haviam pedido uma reforma desses abusos com base na autoridade das Escrituras. Quando Lutero leu os “Doze Artigos” dos camponeses, reivindicando os seus direitos económicos e religiosos, dirigiu-se aos príncipes dizendo que o seu pedido era justo e pediu-lhes para reduzirem os encargos do povo. Por outro lado, tentou convencer os camponeses a serem pacientes. Entretanto, os camponeses começaram a ficar desordeiros e armaram-se para a luta.

Lutero começou a perceber que aquele movimento social podia prejudicar a Reforma. Em vista disso pediu aos príncipes para que pusessem fim à desordem. Eles agiram com a força e massacraram cerca de cem mil camponeses. Considerando esta acção uma traição de Lutero, os do Sul abandonaram-no e permaneceram na Igreja Católica. Os príncipes católicos culparam Lutero de ser causador da rebelião e proibiram a pregação da Reforma em seus territórios. Estes acontecimentos obrigaram Lutero a desenvolver uma organização e uma liturgia próprias para os seus adeptos do Norte.

Na Dieta de Spira, em 1526, foi estabelecido que os cidadãos de cada estado eram livres para seguir a fé que o seu príncipe achasse correcta. Desta permissão resultou um rápido crescimento do luteranismo. Porém, numa segunda assembleia, na mesma cidade, em 1529, compareceram em maioria os príncipes católicos e, perante Carlos V, revogaram a decisão anterior, declarando a Fé católica a única legal, impedindo, desta maneira, o ensino luterano em todos os estados. Os príncipes luteranos reagiram imediatamente, lendo um manifesto em que protestavam contra tal atitude. Em virtude daquele protesto, os católicos passaram a chamá-los de “protestantes” até ao dia de hoje.

Considerando os acontecimentos, Carlos V pediu que lhe apresentassem uma exposição ordenada dos assuntos em discussão. Esse documento, preparado por Melanchton, foi apresentado na Dieta de Augsburg e ficou sendo conhecido como a “Confissão de Augsburg”, a qual passou a reger os luteranos.

Então, os príncipes luteranos reuniram-se em Schmalkald e decidiram organizar-se para difundirem a sua Fé. Esse acordo é chamado a Liga de Schmalkald (1531) cujo propósito era resistir ao provável édito imperial. O luteranismo progrediu no Norte, enquanto o Sul permanecia católico. A separação de Roma tornara-se então definitiva e logo foram estabelecidas novas normas para a ordenação de futuros pastores.

As lutas religiosas só terminaram com o acordo de paz efectuado em Augsburg em 1555. Esse acordo reconheceu os mesmos direitos a ambas as partes. Isto é, católicos e protestantes podiam seguir a religião do príncipe da sua escolha. Aos dissidentes foi reconhecido o direito de emigrar.