LIÇÃO 8

A REFORMA NA INGLATERRA

Sementes de Reforma

John Wycliff (1324-1384), formou-se na Universidade de Oxford, onde recebeu o doutorado em teologia e foi conselheiro da direcção da referida instituição. A leitura do Novo Testamento, assim como os seus estudos bíblicos, levaram-no a atacar o sistema romanista e a dar-lhe a sua machadada. Ele reconhecia a autoridade da Bíblia em detrimento da autoridade papal. Insistia na simplicidade dos serviços divinos. Os frades não escaparam aos seus ataques. Rejeitava a doutrina da transubstanciação e considerava os elementos da Santa Ceia como símbolos comemorativos.

A sua maior obra foi a tradução do Novo Testamento para o inglês, concluída em 1380 e, por inspiração sua, a Bíblia total que apareceu depois da sua morte. Miles Coverdale entregou ao povo a sua tradução completa em 1535. Os discípulos de Wycliff, chamados “lolardos” - termo derivado duma palavra holandesa que significa “murmuradores” - influenciaram as classes humildes com os escritos da sua pena. Estes, apesar de serem constantemente perseguidos e martirizados, jamais foram extintos totalmente.

Em 1384, consequência duma embolia, Wycliff partiu para estar com Deus. Anos depois, foi condenadpelo concílio de Constança, o seu corpo foi exumado e queimado, sendo as cinzas lançadas ao rio. As suas doutrinas foram sementes de reforma para quem o lia, tendo também influenciado John Huss na Boémia.

A obra de Lutero “O Cativeiro Babilónico”, onde ele critica os abusos da Igreja Romana, foi lido pelos mestres da Universidade de Oxford e chegou ao conhecimento de Henrique VIII, rei de Inglaterra. Ele prontamente respondeu a Lutero com o seu livro intitulado “Defesa dos Sete Sacramentos”. Por este facto o papa Leão X concedeu-lhe o título de “Defensor da Fé”.

Causas directas da Reforma

Porém, a causa directa da Reforma na Inglaterra foi um caso de Estado. Henrique VIII havia casado com a viúva de seu irmão Artur Catarina de Aragão. Ele desejava muito ter um filho varão que o substituísse no trono. Mas como sua mulher não lhe dava tal filho só encontrou uma hipótese, divorciar-se dela para casar com outra. Para conseguir isso teve de pedir autorização ao papa, o qual não concedeu tal licença. Então, Henrique decidiu que a solução seria ele controlar pessoalmente a situação. Além disso, já possuía o título de Defensor da Fé, concedido pelo papa.

Em 1534 conseguiu que o Parlamento inglês promulgasse uma série de leis que marcam o rompimento definitivo com Roma. Foi cancelado o pagamento das anuidades e outras contribuições para o Vaticano. Por opinião das principais universidades declararam que o matrimónio de Henrique com Catarina não era válido; isto, em virtude da lei canónica proibir qualquer casamento com a viúva de seu irmão. E fizeram do rei o chefe supremo da igreja inglesa.

Uma personalidade célebre que se opôs a tudo aquilo foi Thomás Moore, ex-chanceler do rei e amigo íntimo do rei. Moore negou-se a jurar fidelidade ao rei como cabeça da igreja e, por isso, foi encarcerado. Nas visitas ao cárcere, sua filha tentou convencer o pai a reconhecer o rei como cabeça da Igreja, ao que ele respondia: “Não me é dado carregar em minha consciência os erros dos outros”. Sendo levado a juízo, onde manteve a sua posição, foi condenado à morte. Passados cinco dias, antes da execução, exclamou: “Morro sendo servo do rei, mas antes de tudo sou servo de Deus”. Quatrocentos anos depois, em 1935, foi declarado santo pela Igreja Católica.

Após ter sido declarado chefe supremo da Igreja de Inglaterra Henrique anulou o seu casamento com Catarina (1533) e consumou novo casamento com Ana Bolena, no mesmo ano, com quem já vinha tendo relações secretas. Porém, como Ana não lhe dera senão uma filha, tratou de acusá-la de adultério e finalmente foi decapitada. Então, o rei casou com Jane Seymour, de quem teve um filho varão, a qual morreu pouco depois. A seguir casou-se com Ana de Cleves a fim de selar uma aliança com os protestantes alemães. Mas, como estes permaneciam nas suas doutrinas reformadas, sem terem chegado a algum acordo, Henrique tratou de divorciar-se para casar com Catarina Howard. Esta caiu em desgraça e foi decapitada. A última esposa de Henrique foi Catarina Parr, que era partidária da Reforma. Tudo isto à procura dum herdeiro para o trono, o qual coube a Eduardo, um menino pouco saudável que morreu muito cedo.

Finalmente, subiu ao trono Maria Tudor (1553-1558), a filha de Catarina de Aragão, primeira esposa de Henrique. Havendo sido sempre católica, seu alvo era que o partido reformador se retractasse e voltasse ao seio do papado romano. Logo que se sentiu segura no trono começou a tomar medidas repressivas contra a reforma. Como as suas acções não surtissem efeito passou à perseguição feroz. A História conta que durante o seu reinado cerca de 280 pessoas terão sido queimadas em virtude de manterem as suas ideias reformadas. Muitos morreram nos cárceres ou no exílio. Foi por estas acções que lhe atribuíram o epíteto de Maria Sanguinária.

Entre todos os condenados havia um ilustre arcebispo que rejeitava a contra reforma da rainha, chamado Tomás Cranmer. Ele contribuíra muito para a Reforma na Inglaterra. Mandou traduzir a Bíblia para o Inglês e ordenou a colocação de uma em cada igreja a fim de ser lida por todos. A Ceia passou a ser administrada em ambas as espécies. As imagens foram retiradas das igrejas. Os sacerdotes receberam permissão para casar. Ele foi o autor principal do “Livro Comum de Oração”  uma liturgia em língua inglesa.

Em virtude de Cranmer ser arcebispo, Maria enviou o seu caso para Roma e aí foi condenado à fogueira. Após a condenação ainda foi instado a retractar-se, o que fez por escrito, mas sem se saber os motivos de tal atitude. Apesar disso, foi condenado e levado à fogueira para que servisse de exemplo. Na igreja de Santa Maria deram-lhe outra oportunidade de retractar-se verbalmente. Porém, para surpresa de todos ouviram-no retirar a sua anterior retractação. Dizia ele: “Há um escrito contrário à verdade que tem sido publicado e que agora repudio porque foi escrito por minha mão contra a verdade que meu coração conhecia. (...) E diante do facto que foi minha mão que a ofendeu ao escrever contra meu coração, minha mão será castigada primeiramente. Quando eu estiver na pira será ela que primeiro arderá.” Cranmer sustentou sua mão no fogo até ficar carbonizada. Esquecendo as fraquezas de seus últimos dias, passou a ser considerado herói nacional. E o movimento reformador, invencível, continuou o seu percurso.

Isabel (Elizabeth), filha de Ana Bolena, sucedeu no trono a Maria Sanguinária que morrera no final de 1558. Então, o Parlamento aprovou o “Acto de Supremacia” onde se declarava a rainha o único governo supremo do reino em assuntos espirituais e temporais. Enquanto Maria era católica, Isabel era protestante. O seu ideal era uma igreja uniforme num reino unido, porém, com liberdade de opinião. Porém, nessa igreja não haveria catolicismo nem protestantismo extremista. Um Acto de Uniformidade instituiu como instrumento principal dessa unidade o “Livro Comum de Oração” que sofreu revisão. Os 39 Artigos promulgados pelo Parlamento (1563) passaram a figurar como o Credo da Igreja Anglicana.

Pelos finais do reinado de Isabel começou um novo movimento que exigia maiores reformas. Eram os radicais da reforma na igreja oficial inglesa afirmando que era necessário extirpar muito do romanismo ainda existente. De convicções calvinistas, receberam o nome de “puritanos” por quererem voltar às práticas do Novo Testamento em toda a sua pureza. Eles opunham-se à guarda dos dias santos, à absolvição pelo sacerdote, ao sinal da cruz, ao ajoelhar na hora da Ceia e ao uso da sobrepeliz pelos ministros. Por fim abandonaram o serviço religioso oficial. Em vista disso, Isabel promulgou que quem faltasse ao culto da igreja anglicana pagaria uma multa de um xelim. Mais tarde, em 1593, foi publicado um decreto que permitia às autoridades prender os puritanos que faltassem aos cultos da igreja oficial.

Thomas Cartwright (1535-1603), professor de teologia em Cambridge, insistiu sobre a autoridade da Bíblia e adoptou a teologia calvinista. Ele opunha-se ao sistema episcopal tradicional. À luz da Bíblia o governo de cada diocese deveria estar sob a orientação dum presbitério com funções apenas espirituais. Foi ele quem lançou as bases para a fundação da 1ª Igreja Presbiteriana inglesa, em 1572.

Os puritanos existiam em grupos distintos de acordo com os seus ideais. Enquanto uns eram favoráveis ao governo presbiteriano, outros desejavam a independência de cada grupo local, e a separação do Estado, os quais receberam o nome de independentes, ou congregacionais. Um grupo destes puritanos separatistas, para fugir à perseguição, emigrou para a Holanda onde se fundiu com os Menonitas ali existentes. Mais tarde alguns destes regressaram a Inglaterra e em 1612 fundaram a primeira Igreja Baptista inglesa. Desta forma os puritanos ingleses originaram as Igrejas, presbiteriana, baptista e congregacional.

Por ordem do Parlamento inglês um concílio de ministros (1643-1649) preparou a “Confissão de Westminster” e dois catecismos, os quais formaram a regra de fé em Inglaterra. É desta época o pregador leigo John Bunyan (1628-1688) que, devido à perseguição contra os separatistas, foi posto na prisão onde escreveu o seu famoso livro “O Peregrino”.

O Clube santo de Wesley

John Wesley (1703-1791) era filho do reitor da igreja inglesa em Epworth e sua mãe descendia de ministros puritanos separatistas. Wesley graduou-se em 1724 e foi ordenado ministro da igreja inglesa. Durante os anos em que foi professor na Universidade uniu-se a um grupo de estudantes de Oxford que se reunia para estudo bíblico em busca de santidade. Por zombaria, esse grupo recebeu o epíteto de “Clube Santo”. Wesley, como líder, imprimiu ao clube santo um estudo bíblico metódico, por cujo motivo passaram a ser tratados por metodistas os seus discípulos. Como resultado da sua missão foi organizada a Igreja Metodista, primeiro na Inglaterra, depois noutros países.

Wesley deu bastante ênfase à doutrina da perfeição cristã através do amor. Dizia que a santidade é um processo progressivo iniciado por um acto de fé. Então, o perfeito amor de Deus expulsará o pecado resultando daí a santidade. Ele opôs-se ao álcool, à escravidão e à guerra. Ele fundou o primeiro dispensário médico gratuito. Defendeu a abolição da escravatura. E influenciou Robert Raikes, que em 1780 fundou a Escola Dominical.