“Jesus, porém, lhe disse: Judas, com um beijo trais o Filho do homem?” Lucas 22:48
Questão
Terá Judas, o discípulo tesoureiro de Jesus, traído o seu mestre, conforme está traduzido?
Contexto bíblico
Convém, primeiro, atentar para dois verbos gregos e observar os seus significados distintos. Um é ‘paradidomi’ que significa entregar. O outro é ‘prodidomi’ cujo significado é trair. Embora semelhantes na grafia, são diferentes no significado. Depois, temos que reflectir no significado social do beijo, o qual pode simbolizar afecto, saudação, ou despedida, de acordo com o momento do acto.
Damos dois exemplos do beijo: um ocorre em 1 Reis 19:20, quando Eliseu se queria despedir de seu pai para seguir Elias: Então, deixando este os bois, correu após Elias, e disse: Deixa-me beijar meu pai e minha mãe, e então te seguirei. Respondeu-lhe Elias: Vai, volta; pois, que te fiz eu? O outro encontra-se em Lucas 7:45, quando Jesus censura Simão por não ter demonstrado verdadeira afeição ao Senhor: “Não me deste ósculo; ela, porém, desde que entrei, não tem cessado de beijar-me os pés.”
Quando a entregar, temos o exemplo dado pelo Senhor quando avisou os discípulos: “Acautelai-vos dos homens; porque eles vos entregarão ‘paradidomi’ aos sinédrios, e vos açoitarão nas suas sinagogas;” (Mt 10:17). E “um irmão entregará ‘paradidomi’ à morte seu irmão, e um pai seu filho; e filhos se levantarão contra os pais e os matarão.” (Mt 10:21). E acerca dele mesmo disse o Senhor: “e o entregarão ‘paradidomi’ aos gentios para que dele escarneçam, e o açoitem e crucifiquem; e ao terceiro dia ressuscitará.” (Mt 20:19).
Judas, que estava predeterminado para aquela ocasião, aproveitou o facto de se despedir do seu mestre usando o beijo como sinal identificativo de Jesus: “Ora, o que o traía lhes havia dado um sinal, dizendo: Aquele que eu beijar, é esse; prendei‑o e levai‑o com segurança.” (Mc 14:44). “E desde então ele buscava oportunidade para o entregar ‘paradidomi’ .” (Mt 26:16).
Ora, visto que Jesus conhecia previamente os acontecimentos, Judas não foi traidor. Isso acontece quando o visado desconhece o que lhe irá suceder. Vejamos o trecho seguinte. “De novo tomou consigo os doze e começou a contar-lhes as coisas que lhe haviam de sobrevir, dizendo: Eis que subimos a Jerusalém, e o Filho do homem será entregue ‘paradidomi’ aos principais sacerdotes e aos escribas; e eles o condenarão à morte, e o entregarão ‘paradidomi’ aos gentios;” (Mc 10:32,33). “Mas há alguns de vós que não crêem. Pois Jesus sabia, desde o princípio, quem eram os que não criam, e quem era o que o havia de entregar ‘paradidomi’.” (Jo 6:64). “Mas Judas Iscariotes, um dos seus discípulos, aquele que o havia de trair ‘paradidomi‘ disse:” (Jo 12:4).
Quando estavam celebrando a Páscoa: “E, quando estavam reclinados à mesa e comiam, disse Jesus: Em verdade vos digo que um de vós, que comigo come, há-de trair-me ‘paradidomi’ .” (Mc 14:18). Alguém perguntou quem seria, e “Respondeu ele: O que mete comigo a mão no prato, esse me trairá ‘paradidomi’ .” (Mt 26:23).
Até aqui temos observado somente os evangelhos sinópticos. Observemos agora o evangelho de João: “Tendo Jesus dito isto, turbou-se em espírito, e declarou: Em verdade, em verdade vos digo que um de vós me há-de trair ‘paradidomi’ .” (Jo 13:21). “Respondeu Jesus: É aquele a quem eu der o pedaço de pão molhado. Tendo, pois, molhado um bocado de pão, deu‑o a Judas, filho de Simão Iscariotes.” (Jo 13:26). Notemos que o Senhor também lhes deu dois sinais identificativos do seu agente: ‘meter a mão no prato’ e ‘receber o bocado molhado’.
Agora, observemos Judas no cumprimento da sua missão: “Então Judas Iscariotes, um dos doze, foi ter com os principais sacerdotes para lhes entregar ‘paradidomi’ Jesus.” (Mc 14:10). E guiando os soldados ao Getsêmani aproximou-se do Senhor e beijou‑o. “Jesus, porém, disse-lhe: Judas, com um beijo trais ‘entregas’ o Filho do homem?” Mais tarde, enquanto era julgado por Pilatos, “Responderam-lhe: Se ele não fosse malfeitor, não to entregaríamos ‘paradidomi’ .” (Jo 18:30). E quando interrogado, “Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue ‘paradidomi’ aos judeus; entretanto o meu reino não é daqui.” (Jo 18:36).
Conclusão
Judas não traiu o Senhor, nem deve ser rotulado como traidor, pois ele estava predeterminado por Deus para cumprir aquela missão. Os apóstolos concordavam com o que Lucas escreveu: “a este, que foi entregue ‘paradidomi’ pelo determinado conselho e presciência de Deus, vós matastes, crucificando‑o pelas mãos de iníquos;” (At 2:23). Judas cumpriu a sua missão, a qual lhe foi indicada pelo Senhor, mas poderia ter tomado outra atitude em relação à sua acção inevitável. E ele o entregou aos gentios, nós matámo-lo com o castigo que nossos pecados mereciam. Perdoa-nos Senhor.