OU FESTA DA PÁSCOA
1 Coríntios 14.26
“Que fazer, pois, irmãos? Quando vos congregais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação.”
Questão
Onde encontraremos nas Escrituras a maneira correcta para celebrar o culto ao Senhor? O que realmente significa fazer tudo para edificação?
Contexto bíblico
Precisamos de, primeiramente, pesquisar no Antigo Testamento para recordar as bases do culto cristão. Moisés ensinou o seguinte aos hebreus libertados do Egipto: “Portanto, guardareis isto por estatuto para vós e para vossos filhos para sempre. Quando, pois, tiverdes entrado na terra que o Senhor vos dará, como tem prometido, guardareis este culto. E quando vossos filhos vos perguntarem: Que quereis dizer com este culto? Respondereis: Este é o sacrifício da páscoa do Senhor, que passou as casas dos filhos de Israel no Egipto, quando feriu os egípcios, e livrou as nossas casas. Então o povo inclinou-se e adorou.” (Êx 12:24–27).
Acerca de estrangeiros entre os Israelitas, “Disse mais o Senhor a Moisés e a Arão: Esta é a ordenança da páscoa: nenhum estrangeiro comerá dela, mas todo escravo comprado por dinheiro, depois que o houveres circuncidado, comerá dela.” (Êx 12:42,43). “Também se um estrangeiro peregrinar entre vós e celebrar a páscoa ao Senhor, segundo o estatuto da páscoa e segundo a sua ordenança a celebrará; haverá um só estatuto, quer para o estrangeiro, quer para o natural da terra.” (Nm 9:14).
E teve o cuidado de preveni-los também acerca da idolatria existente na terra e proibindo o seu culto, desta forma: “Guardai, pois, com diligência as vossas almas, porque não vistes forma alguma no dia em que o Senhor vosso Deus, em Horebe, falou convosco do meio do fogo, para que não vos corrompais, fazendo para vós alguma imagem esculpida, na forma de qualquer figura, semelhança de homem ou de mulher;” …“para que não suceda que, levantando os olhos para o céu, e vendo o sol, a lua e as estrelas, todo esse exército do céu, sejais levados a vos inclinardes perante eles, prestando culto a essas coisas que o Senhor vosso Deus repartiu a todos os povos debaixo de todo o céu.” (Dt 4:15–16,19).
Foi aquele culto da páscoa que Jesus celebrou com os discípulos antes de sofrer a morte como Cordeiro de Deus para tirar o pecado do mundo. Os hebreus foram, mediante o cordeiro pascal, libertados da escravidão egípcia; enquanto os pecadores foram, mediante o Cordeiro de Deus, libertados da escravidão do pecado. Tanto uns como os outros têm o direito e o dever de celebrar a Páscoa em memória da sua libertação.Observemos os evangelhos, onde encontramos algumas informações importantes acerca do assunto no ritual da sinagoga: Logo no início de seu ministério, Jesus dirigiu-se para a sua terra e, “Chegando a Nazaré, onde fora criado; entrou na sinagoga no dia de sábado, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías; e abrindo‑o, achou o lugar em que estava escrito: O Espírito do Senhor está sobre mim, porquanto me ungiu para anunciar boas novas aos pobres…” (Lc 4:16–18). E fechando o livro, devolveu‑o ao assistente e sentou-se; e os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nele. Então começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta escritura em vossos ouvidos.” (Lc 4:20,21). O visitante foi convidado a ler, e comentou a sua leitura. Durante o seu ministério visitava as sinagogas: “E percorria Jesus todas as cidades e aldeias, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades.” (Mt 9:35).
No final do seu ministério procurou uma casa para celebrar a sua última páscoa com os discípulos: “Ora, no primeiro dia dos pães ázimos vieram os discípulos a Jesus e perguntaram: Onde queres que façamos os preparativos para comeres a páscoa? Respondeu ele: Ide à cidade, a um certo homem e dizei-lhe: O Mestre diz: O meu tempo está próximo; em tua casa celebrarei a páscoa com os meus discípulos.” (Mt 26:17,18). “Foram, pois, e acharam tudo como lhes dissera e prepararam a páscoa. E chegada a hora, pôs-se Jesus à mesa e os apóstolos com ele, e disse-lhes: Tenho ardentemente desejado comer convosco esta páscoa antes da minha paixão” (Lc 22:13–15). “Então, havendo recebido um cálice e tendo agradecido, disse: Tomai‑o e reparti‑o entre vós, porque vos digo que desde agora não beberei mais do fruto da videira até que venha o reino de Deus.” (Lc 22:17,18). “E tomando pão, e havendo dado graças, partiu‑o e deu-lho, dizendo: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente, depois da ceia, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo pacto em meu sangue, que é derramado por vós.” (Lc 22:19,20). “E, tendo cantado um hino, saíram para o Monte das Oliveiras.” (Mt 26:30).
Observamos que Jesus agradeceu ao Pai pelo pão e pelo vinho, só depois o partiu e repartiu pelos discípulos. Ele fez a analogia entre o pão e o cordeiro, e entre o vinho e o sangue, para ensinar que a profecia a seu respeito estava sendo integralmente cumprida pelo Cordeiro de Deus. E aqueles que viviam em comunidade com o Senhor participaram daqueles elementos como um só corpo. É digno de nota o facto de cantarem durante a celebração.
A Páscoa comemorava a redenção do povo israelita, a sua saída do Egipto pela liderança de Moisés com a orientação de Deus. O nome provém do hebraico que significa passar por cima. O anjo do Senhor passou por cima das casas marcadas com sangue, enquanto nas outras acontecia a morte do primogénito. A liturgia da Páscoa judaica incluía pão, cordeiro, ervas amargas, copos para vinho segundo os elementos da família, acções de graças e cânticos nos Salmos 113 a 118.
No tempo de Jesus a liturgia seguia esta ordem: Na mesa eram previamente colocados todos os elementos necessários à celebração. Em seguida, todos os membros da família se sentavam reclinados à mesa para celebrar a Páscoa. Depois, enchiam-se os copos com dois terços de água e um de vinho sem lhes tocarem. Cada membro da família tinha direito a quatro copos de vinho misturado com água. Então, o chefe de família pronunciava as graças conforme iam comendo e bebendo, cujo fundamento teológico se encontra em Êxodo 6.6,7, relacionado com as promessas de Deus, que diz: “Portanto, dize aos filhos de Israel: Eu sou Jeová; eu vos tirarei de debaixo das cargas dos egípcios, livrar-vos-ei da sua servidão, e vos resgatarei com braço estendido e com grandes juízos. Eu vos tomarei por meu povo e serei vosso Deus; e vós sabereis que eu sou Javé vosso Deus, que vos tiro de debaixo das cargas dos egípcios.” O ritual da festa pascal era o seguinte:
1. O primeiro copo era chamado o cálice da santidade. A oração de abertura, feita sobre o primeiro copo de vinho, era a acção de graças pelo dia festivo da libertação. Tomando um copo nas suas mãos, o chefe de família elevava‑o dizendo: “Abençoado sejas Tu, Senhor nosso Deus, Rei do Universo, Criador do fruto da vide”. Lavavam as mãos, comiam ervas amargas recordando os tempos amargos passados no Egipto e bebiam o vinho.
2. O segundo copo era chamado o cálice da instrução. Nesta ocasião festiva era feita a narrativa anual aos filhos sobre os acontecimentos que libertaram o povo do Egipto pela mão de Moisés, conforme ordenado em Êxodo 12.26,27. Aí cantavam o pequeno Hallel, que é o Salmo 113. Do mesmo modo, a Santa Ceia dos cristãos deve servir de instrução sobre a obra de Cristo para nos libertar da escravidão do pecado.
3. O terceiro copo era chamado o cálice da redenção. Este foi o cálice referido pelo Senhor como símbolo do seu sangue. Neste momento da ceia o chefe tomava o pão nas mãos e dava graças dizendo: “Abençoado sejas Tu, Senhor nosso Deus, Rei do Universo, que extrais o pão da terra”. Então, partiam com as mãos um pequeno pedaço de pão e comiam os elementos da ceia. Neste momento Cristo disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim. Depois, tomando um cálice, deu graças e deu-lho dizendo: Isto é o meu sangue, o sangue do novo pacto, fazei isto em memória de mim.
4. O quarto copo era chamado o cálice da esperança. Era o copo final, o cálice da alegria, tomado no final da refeição como nós tomamos o último copo num casamento. Foi este cálice que Jesus disse que não beberia até que venha o Reino de Deus e possa bebê-lo com a sua noiva. Ou, doutra maneira: “Até àquele dia em que o beber novo no Reino de Deus”. No final cantavam o grande Hallel, os Salmos 114 a 118. A refeição terminava com acção de graças por um deles e o amém por todos.
Uma vez que a Igreja de Cristo foi edificada sobre fundamentos hebraicos, o seu culto foi desenvolvido segundo o ritual da páscoa hebraica, que foi a base do culto cristão em memória da morte e da ressurreição do seu Salvador. Ora, os discípulos começaram a reunir-se semanalmente para celebrar aquele importante facto: “Oito dias depois estavam os discípulos outra vez ali reunidos, e Tomé estava com eles. chegou Jesus, estando as portas fechadas, pôs-se no meio deles e disse: Paz seja convosco.” (Jo 20:26). E, “ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar.” (At 2:1).
Os apóstolos visitavam igualmente as sinagogas, mas, quando se tornou insuportável manter uma disposição instável, aconteceu a separação: “Paulo, entrando na sinagoga, falou ousadamente por espaço de três meses, discutindo e persuadindo acerca do reino de Deus. Mas, como alguns deles se endurecessem e não obedecessem, falando mal do Caminho diante da multidão, apartou-se deles e separou os discípulos, discutindo diariamente na escola de Tirano.” (At 19:8,9). Logo a seguir temos este relato: “No primeiro dia da semana, tendo-nos reunido a fim de partir o pão, Paulo, que havia de sair no dia seguinte, falava com eles, e prolongou o seu discurso até a meia-noite.” (At 20:7).
Outros dois factores importantes do culto cristão são os cânticos e a colecta para suprir necessidades da igreja: “Que fazer, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento; cantarei com o espírito, mas também cantarei com o entendimento.” (1 Co 14:15). Como vemos, existem duas formas de orar e de cantar, embora o apóstolo defenda que qualquer delas deve ser realizada com entendimento, quando for em público. “Doutra maneira, se tu bendisseres com o espírito, como dirá o amém sobre a tua acção de graças aquele que ocupa o lugar de indouto, visto que não sabe o que dizes? Porque realmente tu dás bem as graças, mas o outro não é edificado.” (1 Co 14:16,17). “Ora, quanto à colecta para os santos, fazei vós também o mesmo que ordenei às igrejas da Galileia. No primeiro dia da semana cada um de vós ponha de parte o que puder, conforme tiver prosperado, guardando‑o, para que se não façam colectas quando eu chegar.” (1 Co 16:2).
Agora observemos o trecho em epígrafe e discorramos sobre ele: “Que fazer, pois, irmãos? Quando vos congregais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação.” (1 Co 14:26). Encontramos nesta leitura quatro factores litúrgicos úteis na congregação cristã: cânticos, ensino, revelação, (que pode ser algum pecado, ou necessidade) e língua interpretada (o que equivale a profecia edificante). Tanto as línguas como as profecias não deverão ir além de dois ou três usuários por culto para haver ordem na liturgia. Embora Paulo aconselhe ordem na reunião, ele não proíbe, de modo algum, o uso do dom de línguas: “Portanto, irmãos, procurai com zelo o profetizar, e não proibais o falar em línguas. Mas faça-se tudo decentemente e com ordem.” (1 Co 14:39,40). A liturgia do culto cristão tem a finalidade de adorar Deus e edificar a igreja do Senhor: “Mas o que profetiza fala aos homens para edificação, exortação e consolação.” (1 Co 14:3). Toda a liturgia deve conter os ingredientes da edificação comunitária, ou é inútil.
Contexto histórico
Teremos ainda que observar um registo de Justino, do século II (c.150), sobre a liturgia cristã dos primeiros tempos, a qual compartilhamos abaixo:
“Reunimo-nos no dia do sol por ser o primeiro dia da semana, dia em que Deus, afugentando as trevas e o caos, criou o mundo, neste dia também nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitou dentre os mortos, pois crucificaram-no na véspera do dia de Saturno, e no dia posterior ao dia de Saturno, ou seja, no dia do sol, Cristo apareceu aos apóstolos e discípulos, ensinando-lhes estas coisas que, para vossa consideração, vos temos transmitido. Embora seja o final do relato de Justino, coloquei‑o no início devido ao facto de referir o dia do culto cristão.”
“No dia denominado dia do sol há uma reunião de todos aqueles que vivem tanto nas cidades como no campo. Ali se dá a leitura das Memórias dos apóstolos, ou das Escrituras dos Profetas até onde o tempo permite. Terminada a leitura o presidente faz uso da palavra para nos admoestar e nos exortar à imitação e prática dessas coisas admiráveis. Logo nos levantamos e oramos juntos. Terminada a oração, no modo como já foi dito, traz-se pão e vinho com água. O presidente dirige a Deus orações e acções de graça, o povo aquiesce com a aclamação: Amém. E procede-se à distribuição dos elementos eucarísticos entre todos, enviando-se também, mediante os diáconos, aos que estão ausentes. (provavelmente os doentes).”
“Chamamos este alimento de eucaristia: ninguém pode participar dele a não ser aquele que, crendo que nossas doutrinas são verdadeiras, tem sido lavado (baptizado) com a lavagem para a remissão dos pecados e para o novo nascimento, e que vive segundo os ensinos de Cristo.” Note-se que a palavra eucaristia significa ‘gratidão’ a Deus.
“Os irmãos que estão na abundância e querem dar, dão cada qual conforme lhe aprouver. O dinheiro recolhido é entregue ao presidente, que o reparte entre órfãos, viúvas, doentes, indigentes, presos e transeuntes; de todos aqueles que necessitam de ajuda ele é um protector.
No final havia ainda o costume de se saudarem mutuamente com o beijo da paz, segundo o exemplo narrado das Epístolas apostólicas. Paulo aos romanos aconselha: “Saudai-vos uns aos outros com ósculo (beijo) santo. Todas as igrejas de Cristo vos saúdam.” (Rm 16:16). E aos coríntios igualmente: “Todos os irmãos vos saúdam. Saudai-vos uns aos outros com ósculo santo.” (1 Co 16:20). E Pedro numa carta universal admoesta: “Saudai-vos uns aos outros com ósculo de amor. Paz seja com todos vós que estais em Cristo.” (1 Pd 5:14).
Conclusão
Por conseguinte, a liturgia do culto cristão deve conter todos os ingredientes necessários e úteis à edificação colectiva, mas usados sempre de forma ordeira. Deve constar de cânticos, orações, leitura bíblica, testemunhos recentes, pregação, ensino, dando sempre oportunidade aos membros do corpo de Cristo desenvolverem os dons espirituais para benefício do mesmo corpo. Ao mesmo tempo, aqueles que nos visitam ficarão impressionados pelo reconhecimento da presença do Espírito Santo entre nós.